data-filename="retriever" style="width: 100%;">Minha mãe conta que durante a primeira gravidez, meu pai, com a sutileza que sempre lhe foi peculiar, afirmava que se fosse uma menina, ele deixaria no hospital. A seriedade da afirmação era tanta, que ela rezava diariamente para ser um guri. Nem a reza funcionou. Nasceu uma menina. Conta ela também que foi minha madrinha que evitou o trágico abandono. Esta história sempre foi contada e recontada como verdadeira. Confesso que eu tenho dúvida da veracidade. Com o passar do tempo, virou piada na família. A segunda gravidez trouxe mais uma menina, porém meu pai já havia abandonado a ideia de deixá-la no hospital. Não é difícil imaginar o desejo dele de ter um filho homem. Filho homem representava continuidade dos negócios. Os tempos eram de absoluto machismo. Filhas representavam o contrário. Mulheres eram frágeis, menos inteligentes, incapazes de serem profissionais bem sucedidas e, muito menos, serem donas do seu nariz.
O tão esperado filho veio, finalmente, na terceira gravidez. A expectativa foi tanta que a individualidade da criança foi desconsiderada. Meu pai superlativou tanto a inteligência do filho homem que, contrariando as recomendações, não sossegou enquanto não conseguiu uma escola que o alfabetizasse aos cinco anos recém feitos. O menino ativo, elétrico, canhoto, tagarela e risonho tinha que ficar confinado por quatro horas em uma sala de aula. Além disso, teve a infelicidade de ter que se tornar destro. Escrever com a mão esquerda não era certo para a pedagogia da época. Realizar as tarefas sentado sobre a mão esquerda gerou múltiplas complicações. A escola para ele passou a ser local de sacrifício. Iniciaram-se a rebeldia e a indisciplina incontroláveis. Tudo e qualquer lugar era melhor que os colégios. No plural, porque foram muitos os "convites" para buscar um novo lugar.
O tão esperado filho homem começou a dar mais problemas do que orgulho. A psicologia da cinta e do grito cada vez mais usada, só agravava a situação. Minha mãe não tinha voz. A medida que o tempo passava, as gazeadas de aula tornavam-se mais frequentes e a indisciplina mais grave. Ao mesmo tempo que se criava um jovem rebelde e sem limites, que queria romper com todas as regras, se formava um homem que teve que construir valores, aptidões e fazer opções, nem sempre as melhores, praticamente sozinho.
Sempre fomos diferentes em nossas escolhas e caminhos, mas muito semelhantes na intensidade de amar. As diferenças nos afastaram, inclusive geograficamente. Nada como o tempo e a maturidade para aparar arestas, encontrar tangências e potencializar os bons sentimentos. Volto de um reencontro depois de muitos anos, com o coração transbordando de amor. Um tempo em que as diferenças perderam o sentido, os caminhos encurtaram e se aproximaram, os braços reencontraram os abraços. Um tempo em que chamar de irmão representa, exclusivamente, amor e certeza de que as semelhanças transcendem o gênero, o DNA e as escolhas. Te amo, meu irmão! Novos tempos de amor e de resgates nos unem